Já na discussão sobre a compensação da cópia privada, a VISAPRESS, entidade de gestão colectiva que representa os editores de notícias, fez saber, numa audição no Parlamento Português (ver o vídeo no final desta página entre o minuto 12 e 14), que os editores de notícias também deveriam ter direito a uma fatia da taxa da cópia privada.
Em resposta a uma pergunta do então sr. deputado Michel Seufert, o representante da VISAPRESS justificava o direito a tal fatia por as pessoas partilharem notícias umas com as outras:
“(…) Eu para mim, é uma coisa frequentíssima chegar a um sítio e as pessoas mostrarem-me um recorte de um jornal que receberam de não sei quem, que emprestou a não sei quem e que está lá, marcado, quem é a empresa que fez, etc. (…)”
Contextualizando, para clarificar:
Qualquer empresa, entidade, ou pessoa pode contratar o serviço de uma empresa de clipping, para recolher todas as notícias sobre um determinado assunto (tipo Google Alerts, mas pago). Mas para prestarem este serviço, as empresas de clipping precisam de uma autorização dos titulares dos direitos das notícias, ou seus representantes, como a VISAPRESS. Assim, as empresas de clipping contactam a VISAPRESS, que emite uma licença, que as empresas de clipping pagam para depois fazer a recolha de notícias e enviarem para as empresas, entidades ou pessoas que contrataram e pagaram o serviço.
Quando o clipping chega às empresas ou entidades que subscreveram o serviço é distribuído por pessoas, que têm direito a receber esse clipping. Na audição parlamentar, o sr. da VISAPRESS queixava-se que essas pessoas partilham essas notícias (que têm direito a receber) com pessoas que não fazem parte da empresa ou entidade que recebeu o clipping e, que portanto não têm o direito de aceder as essas notícias. Como não é possível saber quantas estas partilhas são, diz a VISAPRESS que não as pode incluir no preço da licença que vende às empresas de clipping. Por causa, disto, a VISAPRESS foi ao Parlamento defender que deveria ter direito a uma fatia da taxa da cópia privada para compensar essas tais partilhas, cuja quantidade não se sabe.
Na altura, a VISAPRESS não teve direito a uma parte da taxa da cópia privada. E muito justamente. Porque a queixa da VISAPRESS não dizia respeito à cópia privada. A VISAPRESS queixou-se da partilha de ficheiros sem fins comerciais, ou seja, queixou-se da pirataria de notícias. Uma cópia só é privada se for feita para fins exclusivamente privados, segundo a lei, logo só a pessoa que fez a cópia é que pode usar a cópia, mais ninguém pode usar aquela cópia. Ora, a notícia recebida “de não sei quem, que emprestou a não sei quem” não é uma cópia privada. Se não é uma cópia privada e não está incluída em mais nenhuma excepção ao direito de autor (utilizações livres), então só pode ser pirataria.
Se o Governo queria dar dinheiro aos órgãos de comunicação social por conta da tal partilha de notícias, deveria ter criado uma proposta de lei que alargasse a definição de cópia privada à partilha de ficheiros sem fins comerciais, legalizando essa tal partilha das notícias de que a VISAPRESS se queixou no Parlamento.
Mas nada disto foi feito.
O Ministério da Cultura fez saber hoje que alterou a designação dos equipamentos na tabela da compensação da cópia privada, substituindo as descrições referentes a equipamentos de áudio e vídeo, para descrições mais generalistas de “conteúdos e dados” de forma a que a VISAPRESS possa passar a receber a tal fatia da taxa.
Ou seja:
O Ministério da Cultura fez saber hoje que uma parte da compensação que pagamos por conta da cópia privada vai servir para compensar a pirataria de notícias de que se queixou a VISAPRESS, e que vai continuar a ser pirataria.
As pessoas continuam a não poder partilhar notícias inteiras e, portanto, uma parte da taxa que pagamos vai compensar uma acção que não podemos fazer.
Como se isto não fosse suficientemente mau, o Ministério da Cultura ainda fez saber através de comunicado oficial [PDF] que o Governo Português defende o artigo 11º da proposta de Reforma do Direito de Autor da Comissão Europeia, que estipula a criação de um novo direito conexo a ser dado aos editores de notícias.
Se esta proposta Europeia for aprovada, passamos também a não poder partilhar sequer excertos de notícias, a menos que seja paga uma nova taxa, que provavelmente será gerida pela VISAPRESS.
Um obrigada à D3 – Defesa dos Direitos Digitais, que encontrou o comunicado oficial.