Bufos Reais

Bufos Reais,

ou
Como o Programa de Governo possibilita a implementação de um
Novo Estado Big Brother mais invasivo que o regime do Estado Novo.

 

Foi divulgado na semana passada o Programa do XIX Governo Constitucional, e o Movimento Partido Pirata Português não podia deixar de o escrutinar cautelosamente.

É já praticamente no fim, na página 126 que encontramos um parágrafo especialmente perturbador no que respeita ao direito à reserva da intimidade da vida privada de todos os cidadãos, protegida pelo artigo 26º da Constituição da República Portuguesa, e mais uma vez com a desculpa da “pirataria”:

“O Governo compromete-se, num prazo razoável de seis meses a um ano, a elaborar legislação sobre o combate às várias formas de pirataria  – e a promover regulação eficiente e mecanismos de monitorização de acordo com as estratégias entretanto definidas pela Comissão Europeia.”

Tal como a maior parte do Programa do Governo este parágrafo é suficientemente vago para que as verdadeiras intenções nele escondidas passem despercebidas aos mais desatentos.

E perguntarão vocês: «Qual o verdadeiro significado de “monitorização” no dicionário do PSD e de que “mecanismos” estarão a falar?»

Para compreender melhor o significado deste parágrafo temos de recuar 2 anos para ouvir as intervenções do ex-director geral da Polícia Judiciária e deputado do PSD, Fernando Negrão, na reunião plenária da Assembleia da Republica de 9 de Julho de 2009:

“Porque é que não foi contemplado neste diploma, a possibilidade das entidades de investigação criminal introduzirem aquilo a que podemos designar um Cavalo de Tróia informático em determinado sistema que esteja sob investigação para poder obter informação contínua e em tempo real e facilitar as investigações criminais designadamente através dos meios informáticos.”

“Porquê não a criação de um novo tipo legal de crime que facilitaria a investigação criminal no sentido de introduzir Cavalos de Tróia informáticos nos sistemas informáticos no sentido de facilitar a investigação criminal.”


Debate completo da Proposta de Lei 289/X/4

Ou seja, o que é proposto de uma forma vaga sob a designação de “mecanismos de monitorização” é, a confiar nas palavras do próprio PSD, nada mais nada menos que a possibilidade de instalar nos computadores pessoais, de uma forma encapotada e pelos mesmos meios que são espalhados os vírus informáticos, software que permita ao Estado espiar tudo o que os Cidadãos fizerem na sua vida privada.

Perguntarão de novo: «Mas isto não é só para “sistemas que estejam sob investigação”? E não é só para casos criminais? Porque é que todos nós estaríamos sob vigilância?»

A resposta é dada pela perversão maquiavélica da Lei através da repetição ad nauseam de noções completamente erradas do que constitui um certo tipo de crime e de quem o pratica,
O que permite que todos os Cidadãos sejam suspeitos, e portanto possam ser colocados sob vigilância permanente, é a repetida falácia a que se achou por bem chamar de “downloads ilegais”. Os lobbies das industrias distribuidoras de conteúdos inventaram este termo falso e fazem pressão desde há muito tempo para que os políticos legisladores o adoptem como uma realidade.

A realidade é que não existe qualquer fundamento legal para que um “download” possa sequer ser considerado ilegal! E desafiamos quem quer que seja a provar o contrário com os artigos específicos da Lei Portuguesa que o sustentem!

O que existem, e apenas por inferência lógica, são “uploads” ilegais! Um exemplo extremamente simples para compreender a diferença é o das rádios piratas do final do século XX. As rádios piratas cometiam uma ilegalidade ao transmitir musicas sem a autorização devida. O que elas faziam era um “upload” ilegal através das ondas hertzianas e, uma vez difundido esse “upload”, qualquer pessoa com um simples rádio podia fazer um “download”, perfeitamente legal, através das ondas hertzianas e ouvir essas músicas. Ninguém era pirata por ouvir ou cometia qualquer ilegalidade ao fazê-lo, não havia “downloads ilegais”.
O que se passa hoje em dia só precisa que se troque “ondas hertzianas” por “internet”, mas uma coisa permanece imutável, a não existência, com qualquer base legal, dos mal-afamados “download ilegais”.

Infelizmente a maior parte dos políticos que temos são facilmente influenciáveis quando os seus interesses pessoais são estimulados ou postos em causa, como prova este governo ao sucumbir às movimentações de ultima hora contra a nomeação de Bernardo Bairrão como secretário de estado, e a pressão dos lobbies é, e será sempre, incansável e implacável.

Sendo assim, a falácia dos “downloads ilegais” e a noção de que todos se podem tornar suspeitos de o fazer com uma mera denuncia, de quem quer que seja e contra quem quer que seja, permite que todos possam ser “monitorizados” já que a usurpação de direitos de autor é crime, e como tal, sujeito a investigação criminal.

Agora que o “quê” e o “porquê” da “monitorização” estão explicados, convêm explicar também com mais detalhe o “quem” e o “como”.

«Sabemos que será por “Cavalos de Tróia informáticos”, mas quem os entregará? E não seriam identificados pelos antivírus e software similares?»

O “quem”, sendo na sua forma mais abrangente o próprio Estado, pode em particular ser qualquer meio informático sob o controle do Estado. A partir desse momento, qualquer site do Estado, ou qualquer email oficial de uma entidade do Estado poderá ser usado como “Cavalo de Tróia” para difundir os “mecanismos de monitorização”. Porque o objectivo é mesmo esse, o da dissimulação através de meios legítimos, e não seria um email da Policia Judiciaria a desejar as Boas Festas o meio mais insuspeito.
No entanto terá de haver, com certeza, algum tipo de protocolo de entendimento com as empresas criadoras de software antivírus, ou até a ilegalização desse software caso não colabore, e identifique os “mecanismos de monitorização” do Estado, por obstrução à justiça. Na prática já não poderemos confiar no Estado ou sequer que os antivírus protejam a integridade e como tal a privacidade dos nossos computadores pessoais.

«E “como” é que será feita essa “monitorização”?»

Bem, aqui a resposta pode ser do mais intimidatório possível, porque na prática o “mecanismo” distribuído pelo “Cavalo de Troia” será um programa informático como outro qualquer e como tal capaz de usar todas as capacidades do seu computador pessoal para o espiar:

  • Poderá registar tudo o que seja escrito no seu teclado;
  • Poderá dar acesso remoto ao seu sistema de ficheiros para que possam abrir todos os seus documentos, imagens, vídeos e ficheiros de som (mas também apagar, criar ou enviar novos ficheiros);
  • Poderá dar acesso remoto ao seu desktop para verem tudo o que você faz e vê;
  • Poderá dar acesso remoto ao microfone do seu computador, para ouvirem tudo o que você diz;
  • Poderá dar acesso remoto à câmara do seu computador, para o verem a si e a tudo o que estiver no campo de visão;
  • Poderá fazer pesquisas automáticas em todos os seus documentos por palavras chave no nome ou conteúdo e lançar alertas automáticos;
  • Poderá fazer isto tudo e muito mais que só as mentes mais perversas possam imaginar.

Finalmente, uma pergunta crucial: «O que é que garante que tal sistema não será abusado?»

A resposta pura e dura: NADA!

Seja por funcionários indiscretos que pratiquem um voyerismo doentio ou tenham vinganças pessoais que podem ser satisfeitas, por exemplo colocando ficheiros incriminatórios nos computadores dos seus alvos seguidos de denuncia.
Seja por poderes políticos ocultos infiltrados na máquina do Estado que desejem denegrir os seus adversários políticos ou obter segredos dos mesmos.
Seja por Crackers maliciosos, que em menos de nada vão quase de certeza quebrar o sistema e já nem vão precisar de estar a distribuir os seus próprios virús e outros malwares para poderem apropriar-se de informações de contas bancárias, instalarem proxies por onde possam cometer os seus ataques, ou terem uma legião de máquinas ao seu dispor para qualquer chantagem a terceiros.

O que é certo é que o sistema vai ser abusado mais cedo ou mais tarde, e muitos acabarão por ser acusados e talvez condenados por actos que nem sequer tenham praticado.
O que é certo é que a nossa Democracia e todos nós vamos sofrer com isso, de uma maneira ou de outra.
O que é certo é que esta proposta é em si própria um “Cavalo de Tróia” que, sob a desculpa do combate à pirataria de conteúdos, prevê a implementação de um Estado Big Brother, fazendo dos computadores pessoais Bufos cibernéticos, como descrito pelo ex-director geral da Polícia Judiciária, e que faria corar de vergonha a PIDE e o seus sistema de vigilância por Bufos humanos.
O que é certo é que, com um Presidente, uma maioria e um governo, já se cumpriu um velho sonho de Direita neste novo Estado em que o Direito dos Cidadãos é posto em causa, porque com a promessa bem real destes incansáveis Bufos pessoais deixaremos para trás a velocidade da tartaruga que imperava desde o 25 de Abril e começaremos agora a caminhar a Passos de Lebre para uma Ditadura total neste admirável mundo novo.

Simbolo do PPP

Nós não somos de Direita, não somos de Esquerda, não somos do Centro, somos sim do Todo que é este Portugal, assentes numa pluralidade de ideais para além das nossas bandeiras declaradas, mas somos acima de tudo Democratas e recusamos aceitar um regresso à opressão psicológica do passado, em que nada se podia dizer com medo da repressão Estatal, agravado agora pela impossibilidade de nada sequer do que se pensa poder ser guardado com segurança no que nos é pessoal e intransmissível.

Não deixes que tal aconteça! Junta-te a nós! Divulga e assina por um futuro livre!

 

Constituição da República Portuguesa

Artigo 26.º
Outros direitos pessoais

  1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
  2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.

 

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Artigo 12.º

Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.


Comentários

8 comentários de Bufos Reais

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