O terror da cópia.

Um leitor que assina Asterixco criticou o meu post sobre o bloqueio de sites porque defende a legitimidade e o respeito pelos monopólios dos autores (1). Os seus comentários ilustram bem como o apoio a este sistema assenta numa compreensão defeituosa do problema. Logo a começar pelo pseudónimo. Presumo que o leitor não tenha pago licença à Éditions Albert-René para divulgar uma criação derivada de obras detidas pela editora. E concordo que seria absurdo ter de o fazer. Mas, para concordarmos nisto, temos de abandonar a ideia de um “direito de autor” abstracto que justifique quaisquer restrições. Em vez disso, temos de reconhecer que o direito de gerir um negócio não permite violar direitos de terceiros. É por isso que o direito da editora a fazer negócio não pode impedir o leitor de assinar comentários com o pseudónimo que entender. Uma vez arrumado esse espantalho do “direito de autor” omnipotente, é fácil perceber também que o direito ao negócio não justifica restringir o acesso a sites na Web, proibir a troca de ficheiros ou impedir que as pessoas usem o seu equipamento, em suas casas, como bem entenderem.

Mas Asterixco levantou um ponto concreto que merece ser descascado em mais detalhe. «A pirataria […] causa desemprego e precariedade […] por exemplo na área do áudio visual, já que em muitos casos a venda de cópias ou os direitos pela reprodução das mesmas é o único meio de subsistência.» Refere também um “estudo” da MPAA segundo o qual «só no Brasil se perderam 90 mil postos de trabalho devido à pirataria, para alem de 976 milhões de reais perdidos em impostos». Antes de mais, é preciso notar que estas contas são uma aldrabice. Essencialmente, estas estimativas equivalem a um restaurante contabilizar como prejuízo o valor comercial de todas as refeições que as pessoas do bairro comam em casa, usando depois esse número para estimar quantos postos de trabalho haveria se todas essas refeições fossem comidas no restaurante aos preços que o restaurante quisesse cobrar. Dá valores impressionantes mas que não querem dizer nada.

É preciso também apontar a circularidade do raciocínio aqui implícito. Copiar, por si, é um acto legítimo. É a copiar que aprendemos a falar, a vestir, a escrever, a cozinhar e até a criar. E prejudicar um negócio por não comprar é igualmente legítimo. É até parte fundamental do mercado livre e do capitalismo, porque favorecer quem oferece os melhores produtos ou serviços implica deixar falir o resto. Mas, neste caso, a perda de negócio é apresentada como uma injustiça, em vez de um direito do consumidor gastar o dinheiro noutras coisas, porque é causada pela “pirataria”, que se presume ser uma cópia ilegítima. No entanto, quando se tenta averiguar porque é que a cópia do CD é ilegítima quando a cópia de expressões algébricas, números, linguagem, receitas e imensas outras coisas é legítima, a justificação acaba por dar a volta e chegar ao ponto inicial. Estraga o negócio. Ou seja, é ilegítimo copiar só porque quem copia não compra e é ilegítimo não comprar só porque quem não compra copia. Afinal, a causa não causada não é Deus. É o copyright.

Mas vamos pôr de lado a aldrabice contabilística e a petição de princípio para focar o que realmente se passa. Se é fácil copiar então há menos disposição por parte do comprador para pagar pela cópia. Este problema ocorre sempre que a tecnologia facilita algo que anteriormente era difícil e que, por isso, perde valor como negócio. Aconteceu com quem vendia gelo ou água da fonte. Aconteceu com quem vendia legumes na rua, com sapateiros, e alfaiates, e amoladores. Aconteceu com quem vendia o seu trabalho na agricultura, quando lavrar, semear e colher era difícil. Só em Portugal, perdeu-se milhões de empregos na agricultura por causa da mecanização. Fazendo as contas como Asterixco propõe, a pior “pirataria” será lavrar a terra com o tractor.

O problema daqueles para quem «a venda de cópias ou os direitos pela reprodução das mesmas é o único meio de subsistência» é o mesmo problema que tantos enfrentaram quando a tecnologia tornou o seu produto extremamente barato. Um problema que nunca se resolveu com legislação ou proibições, apesar de se ter tentado*. Uma solução é fazerem como faz quem vende iogurtes. O iogurte também é fácil de copiar. Basta misturar em leite morno e esperar. Por isso, quem quer fazer negócio da venda do iogurte, vende-o suficientemente barato para não compensar o trabalho de copiar. É esta a razão do sucesso de serviços de streaming e subscrição ou de modelos de negócio como o YouTube. São convenientes e suficientemente baratos para valer a pena. Em alternativa, podem esquecer a abordagem de ganhar pela cópia – copiar é algo que todos podem fazer, pelo que é mau negócio – e passar a cobrar pelo que fazem e que mais ninguém faz. Pelo serviço de criar algo novo. Se são bons artistas e capazes de criar obras únicas que as pessoas desejem, cobrem por isso que a criatividade não se consegue copiar.

Seja como for, o negócio de vender cópias é apenas isso. Um negócio. Não é arte, não merece protecção e não confere direitos especiais. Asterixco diz que o mercado não funciona se «a oferta é copiada e entregue à borla à procura». É verdade. É por isso que a tabuada do ratinho já não dá grande lucro. Mas isso é um problema de mercado e não um problema legal. Proibir a partilha de ficheiros com os computadores para proteger a venda de cópias de músicas é tão absurdo como proibir as contas com o telemóvel para proteger a venda de tabuadas.

* Um exemplo disto foi o Red Flag Act de 1865, que obrigava os automóveis a circular sempre precedidos de um homem, a pé, empunhando uma bandeira vermelha. Julgavam os empresários dos caminhos de ferro que esta lei iria garantir-lhes os lucros no negócio dos transportes.

1- Treta da Semana: conduta errónea.

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