Neste blog o copyright é um par de ténis velhos. Gasto, com mau aspecto e algum odor mas não tão confortável que não resisto se puxam pela conversa. O Wyrm justificou restringir-se a cópia de números que descrevam músicas porque dependem de um «investimento em máquinas e em pessoal». Quando apontei que os números que descrevem estruturas de moléculas ou propriedades físicas de materiais também exigem grande investimento ele retorquiu que
«Possivelmente as descobertas dos dias de hoje já têm patentes e royalties e as que tu te referes, Ludovico foram criadas/descobertas no tempo em que ainda se cagava de cócoras. Logo a ausência do tal “pagamento”. Pitágoras, nos dias de hoje, teria registado a patente do seu teorema e teria sido compensado pelo seu contributo à Matemática.»(1)
Um erro menor é que as primeiras retretes datam de 2800 AC (2). A menos que tivesse problemas com a ASAE por contrafacção de retretes, Pitágoras poderia ter feito as suas necessidades sentado. Mais grave é julgar que a simulação de dinâmica molecular, contagens de supernovas, dados de reacções nucleares e de estruturas moleculares ou são patenteados ou vêm do tempo de Pitágoras. Mas o mais grave de tudo é julgar uma boa ideia patentear estas coisas. Se o fizessem é que ainda andávamos todos a cagar de cócoras.
Restringir números porque custam a encontrar é um modelo demasiado simplista porque não é esse o custo relevante, como vemos se distinguirmos os custos de criar, de distribuir e de explorar o que se criou. Se são todos irrisórios não precisamos de regulação, como com as anedotas e receitas para uso pessoal. E mesmo quando o custo da criação é grande não precisamos de impor restrições se os outros forem pequenos. Aceleradores de partículas e telescópios em órbita custam muito dinheiro mas como a informação obtida pode ser divulgada e aproveitada sem custos adicionais o financiamento não depende de direitos exclusivos. Porque para incentivar a criatividade interessa mais a educação e o acesso à informação do que deter monopólios.
Os direitos exclusivos servem para cobrir os outros custos. As patentes aplicam-se a ideias fáceis de divulgar mas que exigem um investimento significativo para explorar. Um medicamento exige testes e produção controlada, um processo de produção industrial exige uma fábrica e infra-estrutura para o explorar, e a patente incentiva este investimento na exploração das ideias.
O copyright incentiva o investimento na distribuição. É trivial tirar partido de uma história, musica ou filme. Mas é preciso um investimento considerável para imprimir livros, fabricar discos ou produzir películas, projectores e cinemas para trazer estas obras ao público. É este investimento que o copyright subsidia, tal como as patentes subsidiam o investimento na exploração industrial.
É claro que o dinheiro arrecadado graças a estes monopólios acaba por contribuir para a inovação por ser usado também para cobrir os custos de criar estas obras e ideias. Mas é importante perceber que se for só para cobrir o custo de criar é sempre melhor usar alternativas que não restrinjam nem o acesso nem o uso daquilo que já foi criado. Por um lado porque essas restrições são sempre um obstáculo à inovação e por outro porque são muitas vezes contrárias aos direitos pessoais de acesso e participação na cultura.
Por isso há problemas quando se aplica patentes ou copyright à categoria errada. A patente de uma receita não pode proibir que se faça aquele prato em casa, porque viola-se direitos pessoais sem um benefício que o compense. Sequências de genes também não devem ser patenteadas porque esta informação pode ser usada e divulgada sem mais investimento. Conceder a patente dificulta a inovação e o aproveitamento da informação sem trazer contrapartidas. E com a tecnologia digital muita coisa deixou de ter custos de distribuição. Músicas, filmes, textos e imagens ficaram na categoria da matemática e da investigação fundamental. Estas sequências de números custam a encontrar mas, uma vez descobertas, não têm custos de distribuição ou uso pessoal.
Por isso a protecção conferida a estas coisas deve agora restringir-se à exploração comercial. A cinemas, espectáculos e à venda de CDs e DVDs. De resto, o subsidio pelo monopólio é um tiro no pé da sociedade que o concede.
1- Comentário em Tudo isto por 10 ou 15%?
2- Wikipedia, Toilet
3- Matt Mason, Etymology of a Yankee. Ver também este artigo no Zeropaid.
PS: vou estar offline até Sábado ou Domingo. Mas desanquem à vontade que depois respondo.


