Treta da semana: neutra, mas pouco.

No dia 9, a Google e a Verizon emitiram um comunicado conjunto acerca da neutralidade da Internet (1). Este é um velho problema que se tem arrastado, de decidir se os provedores de acesso podem discriminar o tráfego que retransmitem. Por exemplo, um provedor poderia cobrar extra para deixar consultar a Wikipedia ou, como a Verizon já fez nas ligações móveis, proibir streaming e P2P (2). Para as ligações fixas o comunicado é claro. Não deve haver qualquer discriminação na Internet e os provedores devem permitir por igual todo o tráfego legal.

E tem mais uma coisa que acho excelente. Exigem transparência para que os clientes saibam o que estão a comprar. O que faz muita falta por cá, com a treta do tráfego ilimitado. É impossível um ISP vender tráfego sem limites a todos os clientes com taxas de contenção de 1:20 ou 1:50. Se vendem dezenas de vezes mais largura de banda do que têm disponível não pode estar toda a gente a usar a ligação ao máximo. O que é razoável. Não faz sentido explorar a infraestrutura assumindo que está tudo sempre a maximizar o tráfego. Teríamos de pagar dezenas de vezes mais pelo acesso à Internet se fosse assim.

Por isso têm de limitar o tráfego que dizem ilimitado, e a Netcabo até aproveitou para chamar idiotas aos clientes. A Política de Utilização Aceitável (PUA) dizia que «A disponibilização de Produtos Netcabo sem limites de tráfego associados está sujeita a níveis de utilização razoáveis»(3). Mas a Netcabo recusava-se sempre a dizer qual era o limite da utilização razoável para o tráfego ilimitado (4), talvez julgando que assim podia insistir que o tráfego era ilimitado. Por queixa de clientes, foi obrigada a retirar essa cláusula da PUA (5). Mas continua a fazer precisamente o mesmo, só que agora pela calada (6).

Esta aldrabice devia acabar. Acabar a treta do tráfego ilimitado e obrigar os ISP a dizer o que vendem. Alguns já já têm um asterisco para a nota de rodapé com o limite para o tráfego ilimitado, o que já não é tão mau mas mesmo assim engana alguns. Mas se bem que este limite da Netcabo nunca me tenha feito diferença – por relatos de alguns afectados parece que ronda os 250GB por mês, muito mais do que eu uso – o tráfego que usamos está constantemente a aumentar, e não saber até onde se pode ir é um problema. É bom ver que companhias de peso como a Google e a Verizon concordam que isto não pode ser assim.

No entanto, este post é sobre as coisas más do tal comunicado. Começa pela neutralidade na rede fixa ser só para os “conteúdos legais”. Isto cheira a esturro porque dá ideia que é o ISP quem decide o que é legal. Além de abrir um grande buraco no princípio da neutralidade – basta decidirem que o tráfego P2P é maioritariamente ilegal para o proibir – dá ao fornecedor deste serviço um poder que só devia ser exercido pelo sistema judicial. Como se os CTT abrissem as encomendas a ver se estamos a enviar fotocópias de livros ou a PT escutasse os telefonemas para saber se estamos a tocar música pelo telefone, distribuindo conteúdos protegidos sem autorização.

Mencionam também que o princípio da neutralidade se aplicaria apenas na Internet, a rede pública, mas não a eventuais redes privadas que os ISP quisessem criar usando a mesma infraestrutura. Por exemplo, distribuição de filmes, serviços de educação, jogos online ou assim. O que abre outro buraco na neutralidade, se um ISP puder dizer que jogos ou streaming passam pela rede privada.

Mas o ponto pior, e mais hipócrita, é o princípio da neutralidade não se aplicar ao acesso por redes móveis. É hipócrita porque a Google e a Verizon começam por defender a neutralidade da Internet dizendo que esse princípio foi responsável pelo seu sucesso e crescimento espantoso, mas depois dizem que não deve haver neutralidade no acesso móvel porque é um mercado nascente e em crescimento. Uma treta óbvia, mas como a Verizon vende telemóveis com o Android da Google, ambas querem manter o controle sobre o tráfego nas redes móveis. Que cada vez vai ser maior. Daqui a uns anos, quando qualquer telemóvel estiver permanentemente ligado à Internet, ninguém vai querer pagar chamadas telefónicas se pode usar o Skype ou assim. Nessa altura os operadores de redes móveis vão dizer lamento, mas Skype por aqui não passa.

Isto é muito mau porque o princípio da neutralidade da rede não é uma mera questão de mercado, de preços e muito menos para descartar quando dá jeito à Google e a Verizon. A neutralidade destes serviços é uma salvaguarda importante da nossa privacidade e liberdade de expressão. Quem transporta as cartas não as deve ler. Quem fornece redes telefónicas não deve escutar as conversas. E quem providencia ligações à Internet não deve controlar o que estamos a enviar. É indispensável que a lei especifique que o provedor aluga o canal de comunicação. Que permita cobrar pelo volume de tráfego e distinguir tráfego com custos diferentes, por exemplo nacional e internacional. Mas que o proíba de bisbilhotar a informação que partilhamos.

E é preciso começar já a pressionar os legisladores. Cada vez mais é pela Internet que vamos comunicar. E é óbvio que não podemos contar que empresas como a Google e a Verizon zelem pelos nossos direitos.

1- Policy Blogs, Google e Verizon (os dois têm a mesma coisa).

2- TorrentFreak (2007), Verizon Bans P2P, Streaming Services and Online Gaming.

3- Aberto até de Madrugada, 27-10-2008, ZON – A Aventura Continua, com a PUA

4- Fórum ZON, Tráfego Ilimitado – Não

5- Aberto até de Madrugada, 28-8-2009, Netcabo acaba com a PUA.

5- Aberto até de Madrugada, 7-1-2010, PUA Regressa à ZON Netcabo.

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