No Público de hoje saiu a notícia de um carro de compras “inteligente”, com um computador e um monitor, que indica a localização de cada produto seleccionado e as promoções do dia. É um sistema personalizado, com login e password, que guarda a lista de compras e até informação acerca de alergias para avisar quem queira comprar produtos aos quais é alérgico. «É uma forma de ajudar o consumidor a poupar e a fazer as compras num mais curto período de tempo.»(1) Como sabemos, o objectivo das lojas e supermercados é ajudar o consumidor a poupar.
Este é um descendente mais sofisticado dos cartões de cliente, tão comuns agora, onde os supermercados registam tudo o que compramos. Só que o novo sistema não só regista o que compramos como também o que tencionávamos comprar, por onde passámos no supermercado e quanto tempo ficámos em cada sítio. E tira partido dos chips RFID*, que começam a substituir os códigos de barras. Os chips RFID podem ser lidos à distância, via rádio, e cada chip tem um código único. Ao contrário dos códigos de barras, que são atribuídos a um tipo e modelo de produto, o código de RFID identifica cada objecto. Cada par de sapatos ou calças, cada mochila ou casaco terá um código que poderá ser lido em cada loja onde entramos.
A capacidade de armazenar, recolher e processar informação cresce tão depressa que apanha a sociedade de surpresa; as leis contrárias aos interesses económicos e as atitudes das pessoas têm ambas demasiada inércia para responder a mudanças rápidas. Por isso a lei promove a recolha e retenção de dados pessoais e os consumidores não se preocupam com a informação que dão. E não percebem que os dados recolhidos ficam lá para sempre. Não lhes preocupa que a seguradora a quem vão pedir um seguro de saúde daqui a dez anos possa saber se compraram mais presunto e chocolates do que iogurtes e fruta. Ou que na entrevista para um emprego a empresa saiba se compraram fraldas e leite para bebé nos últimos meses. Ou que se guarde registos dos telefonemas que fizeram, das portagens por onde passaram e assim por diante.
Interesses económicos levam a lei a proteger a informação em função do valor comercial dos monopólios, e o estado a proibir, fiscalizar e punir com prisão a troca de ficheiros de músicas que são vendidas ao público a menos de um euro cada uma. Mas o que a lei devia proteger primeiro é a privacidade. Muito antes de regular o comércio de informação que foi voluntariamente tornada pública devia restringir a recolha e retenção não autorizada de dados privados. Se publico isto aqui abdico voluntariamente do direito exclusivo a estas palavras. Mas não é por ir ao supermercado ou fazer um telefonema que dou a outros o direito de bisbilhotar as minhas compras ou chamadas telefónicas.
Além de dificultar a distribuição e o acesso à cultura, a noção corrente de informação como propriedade faz perder de vista o que nos interessa na informação. Não são os bytes em que se codifica mas aquilo acerca do que ela é. E se há informação que merece um monopólio é a informação acerca da nossa vida pessoal, não a informação acerca de obras disponíveis ao público. Não é da nossa conveniência que a lei proteja o negócio das empresas em vez da privacidade das pessoas.
* Radio-Frequency Identification, mais detalhes na Wikipedia
1- Público, 25-10-08, Empresa portuguesa desenvolve carrinho de compras que ajuda consumidor a poupar


