O Decreto Lei 80/2006 publicou o Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios. Segundo este regulamento, «A contribuição de sistemas de colectores solares para o aquecimento da AQS, Esolar, deverá ser calculada utilizando o programa SOLTERM do INETI»(1). Este programa está disponível no site do INETI pelo preço de 130€ mais IVA (2).
Não duvido do rigor nem da utilidade do programa, mas isto parece-me uma bela treta. O programa foi desenvolvido num instituto do estado, é mantido por bolsas e salários do estado e é de uso obrigatório por lei para a certificação energética de edifícios. Mas é comercializado como se fosse um negócio. A lei obriga a usar este programa, obriga a pagar impostos para financiar o desenvolvimento e manutenção deste programa e, pela legislação de “propriedade intelectual”, pune quem usar este programa sem pagar mais 130€ à instituição do estado que o desenvolveu.
É um mal geral por cá. Por exemplo, se quiserem a norma para a decantação primária em estações de tratamento de águas residuais, elaborada por uma comissão técnica do LNEC paga pelo estado, podem obtê-la no site do Instituto Português da Qualidade. Mas têm que pagar 10€ por um pdf com meia dúzia de páginas (3) e estão proibidos de o copiar.
Até o Diário da República tem um serviço para assinantes. A consulta das últimas edições é gratuita mas a «Pesquisa Avançada», que não faz mais que o Google, tem que ser paga (4). Era bom que todo o cidadão tivesse acesso gratuito à legislação que rege o nosso país. Mas melhor ainda é aproveitar para fazer negócio.
Mesmo quem não partilha a minha aversão ao copyright digital deve ver a injustiça de cobrar por informação financiada pelos nossos impostos. Mas o que estes exemplos revelam, principalmente, é a natureza do copyright e restrições associadas. Não são mecanismos de financiamento ou incentivo da criatividade. São mecanismos de abuso por parte dos intermediários, que até consideram a legislação publicada há mais de trinta dias uma «Informação de Valor Acrescentado»(4) reservada a assinantes.
Adenda: O DR está disponível integralmente e gratuitamente, mas a pesquisa gratuita é apenas pelo número do diploma. Pesquisar por termos ou frases é considerado tão avançado que se tem que pagar. Também se tem que pagar por coisas como o «acesso à informação jurídica devidamente tratada e sistematizada», que devia ser gratuito. Mais detalhes aqui. Obrigado ao Quetretófilo pela correcção.
1- FEUP, RCCTE (.pdf)
2- INETI, Software
3- IPQ, Estações de tratamento de águas residuais. Parte 4: Decantação primária.
4- Diário da República Electrónico


