Para desenjoar de posts sérios, este é dedicado às páginas de combate à pirataria da Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais, também conhecida por FEVIP. A sigla vem de se ter chamado originalmente Federação de Editores de Videogramas, mas o nome não era bom. É importante deixar claro que esta organização se preocupa com os interesses dos autores e do público. O outro nome dava ideia de serem só negociantes a meter-se no meio para cobrar pela cópia. Por isso, sabendo o bem que o copyright faz ao património cultural (1), usam-no para defender as obras do perigo da partilha. Deve gastar os bits ou coisa que o valha.
Explicando que «a tecnologia digital […] está cada vez mais ubíqua em todos os dispositivos electrónicos que coabitam com o público», a FEVIP manifesta-se «interessada em promover e proteger todas as obras audiovisuais para que estas sejam usadas nos mais diversos meios com o fim de beneficiar o consumidor»(2). É uma linguagem cuidadosa que, nos detalhes, esclarece muito e ajuda a desfazer mal entendidos. Como, por exemplo, a ideia de que será ilegítimo que sejam os senhores da FEVIP a dizer o que podemos fazer com a nossa propriedade. Com os nossos computadores, os nossos tablets, telemóveis e leitores de música. Seria realmente estranho quererem mandar no que é nosso, mas nada disso é nosso. Os dispositivos electrónicos apenas coabitam connosco. Estão nas nossas casas, mas é a FEVIP quem melhor poderá dizer que uso é legítimo darmos a esse equipamento. Também corrigem a ideia caluniosa de que só fazem isto porque querem ganhar dinheiro a vender mais cópias. Claro que não. São movidos por puro altruísmo. Imaginem só o que é descarregar um ficheiro de graça e ver logo o filme onde se quiser. Uma miséria, porque priva o público do prazer de pagar caro pelas maravilhosas restrições do DRM ou por uma magnífica rodela de plástico que, além de vir com o Ratatui a dissertar sobre a pirataria, ainda serve para pousar o copo depois de ver o filme.
Mas a FEVIP não descura o aspecto económico: «Em Portugal, o sector da indústria audiovisual alberga milhares de postos de trabalho e contribui com 1 por cento de todo o PIB nacional.» É muito dinheiro, perto de 160 milhões de euros. No entanto, talvez por descuido, esqueceram-se de indicar qual o sinal desses 1% que a indústria contribui para o PIB. É que as importações são subtraídas ao PIB e a maior parte dos audiovisuais que se compra por cá é importada. Em livros e revistas, por exemplo, o défice da balança cultural ronda os 70 milhões de euros (3). Se gastarmos mais em filmes e discos do que em livros, o que não me parece improvável, esses 160 milhões podem estar a ir todos lá para fora. Fica então a sugestão para quem se preocupar com a economia nacional: em vez de irem ao cinema ou comprarem um DVD, vão antes jantar fora e depois saquem o filme. Como bónus, ainda se safam do Ratatui a inventar tretas acerca da qualidade das “cópias pirata”.
Noutra página, fazem uma pergunta interessante: «Gostaria que um projecto seu, no qual tivesse investido milhares de horas, milhares ou milhões de euros e muitos meios humanos, se encontrasse disponível em meios completamente alheios ao seu controlo, e sem qualquer possibilidade de recompensa pecuniária legítima e honesta que pudesse compensar o seu esforço?»(4) A pergunta parece um pouco enviesada, mas vamos por partes.
Já investi milhares de horas a criar conteúdos e a transmiti-los aos alunos para depois ficar tudo completamente fora do meu controlo. Este blog já conta com 1807 posts, e também tenho disponibilizado gratuitamente sem controlo software que me levou bastante tempo a criar. Por isso, quanto às horas e ao esforço, resposta é sim. Milhares ou milhões de euros nunca investi, nem meios humanos ou humanos inteiros, mas imagino que se alguma vez o fizesse não o faria às cegas. Por exemplo, se realizasse um filme e depois descobrisse que o andavam a partilhar no Bittorrent só me surpreenderia haver alguém a querer ver o meu filme. A tecnologia em si não seria novidade. Finalmente, quanto à «recompensa pecuniária» só vejo três opções. Ou trabalho sem a querer nem exigir, como é o caso deste blog, ou trabalho com um contrato e então tenho direito, de forma legítima e honesta, a exigir que paguem o meu esforço, ou então arrisco e logo se vê. Se ganhar ganhei, mas se não ganhar não tenho nada que chorar porque só arrisquei o que quis. De resto, não sou de fazer trabalho que não me encomendem e depois ficar zangado se não mo pagarem.
Para terminar, deixo-vos este conselho da FEVIP. Não o acho especialmente útil mas revela bem a atitude destes defensores das obras culturais. «A Internet é uma ferramenta que possibilita ao ser humano alcançar formas incríveis de comunicação e aprendizagem, além de estar apta a estimular e a desenvolver práticas laborais e lúdicas como nunca possíveis em épocas passadas. Todavia, para que o utilizador possa dar um uso adequado à Internet, e usufrua desta em segurança, existe uma forma bem simples de o fazer: Quando está online não faça nada que não fizesse quando se encontra offline.»(5). Ou seja, não partilhem ficheiros nem descarreguem ficheiros. Nem naveguem na Web, nem vejam o email, nem joguem, nem nada que não fizessem se estivessem offline. Talvez assim a Internet se vá embora e os senhores da FEVIP possam voltar a rebolar em recompensas pecuniárias.
1- Por exemplo, impedindo a restauração de filmes e dificultando a reedição de livros.
2- FEVIP, Combate à Pirataria
3- Jornal de Negócios, Exportações de bens culturais cresceram 30% em 2012
4- FEVIP, Sou um pirata.
5- FEVIP, Sites Maliciosos