Nas nuvens.

Esta rede de milhões de computadores tem um enorme potencial, uma nuvem de recursos de armazenamento, distribuição e computação onde podemos guardar informação, pesquisá-la, organizá-la e colocá-la ao alcance de todos. E é isso que devemos fazer. É uma tragédia que a lei o proíba, em muitos casos, concedendo monopólios legais sobre cópia e distribuição mesmo quando é para uso pessoal e sem fins comerciais. Não tem efeitos tão dramáticos como a guerra, a fome ou os muitos problemas da economia, mas é trágico por ter uma solução trivial. Basta que a legislação isente de copyright o uso não comercial para tornar a Internet numa biblioteca global onde tudo o que esteja publicado fique à disposição de todos.

Por isso sou a favor que se partilhe. Em blogs, P2P, YouTube e Twitter, tudo o que sirva para comunicar o que criamos e partilhar o que pensamos, temos, sabemos ou gostamos. Informação, ficheiros, o uso do nosso processador em redes de computação distribuída ou simplesmente o nosso espaço em disco em redes de partilha de ficheiros. Para tudo o que queremos partilhar esta “nuvem” é excelente, e devemos pressionar os legisladores para que se possa tirar o máximo partido deste meio de comunicação.

Mas não serve para o que queremos guardar para nós ou para o que seja privado, e muitos cometem o erro de confiar à nuvem os seus documentos pessoais, vídeos, fotos, email ou até as suas compras electrónicas. Recentemente a Amazon surpreendeu alguns clientes retirando-lhes do Kindle cópias do 1984 e Animal Farm. Estas pessoas confiaram num sistema em que aquilo que compram não fica seu, como acontece normalmente. O que lhes é vendido é uma licença de utilização e um ficheiro que ainda fica sob o controlo do vendedor. Os livros comprados para o Kindle não podem ser vendidos em segunda mão, emprestados, trocados por outros e, pelos vistos, a Amazon até pode revogar a venda, reembolsando os compradores e apagando os livros sem os clientes terem qualquer escolha (1).

A Paris Hilton e muitos na sua lista de contactos descobriram outro problema de guardar informação online. Nem foi tanto por ter passwords mal escolhidas ou pelos defeitos técnicos do sistema de segurança, se bem que podia ter sido. Neste caso, o problema foi que confiar os dados pessoais a uma empresa deixa-os à mercê de empregados aborrecidos, mal informados e desmotivados. O ordenado dos empregados da T-Mobile não chega para que se importem com a privacidade dos clientes do patrão ou a segurança do sistema (2).

A ideia de aproveitar a “nuvem” é evitar o investimento em infraestrutura, pagando apenas pelo serviço de armazenamento, largura de banda ou poder de computação. A Paris Hilton tinha fotos, vídeos e listas de contactos nos servidores da T-Mobile. Quem tem o Kindle pode guardar os seus livros nos servidores da Amazon e lê-los de onde quiser.Com o Gmail não é preciso guardar as mensagens antigas no disco nem fazer cópias de segurança. É cómodo e barato usar a infraestrutura que já existe na nuvem. E quando se trata de algo partilhado por todos e cuja preservação interesse a muitos, guardá-lo na nuvem é claramente a melhor solução. Seria um disparate cada utilizador da Wikipedia ter a sua cópia pessoal no disco. Ou na prateleira, como se fazia com as enciclopédias antigas.

Mas com informação pessoal esta comodidade acarreta riscos. O mais óbvio é o de alguém adivinhar a password, um risco que muita gente subestima. Mas há outros. Falhas no sistema de segurança, acesso indevido por parte de quem mantém o sistema ou conseguiu enganar quem mantém o sistema, venda da infraestrutura a outras empresas e assim por diante. Não quero dizer que nunca se deva usar algo o Gmail. o iTunes ou o Kindle, ou que nunca se deva guardar coisas em servidores online. Mas os riscos são difíceis de avaliar, e decidir se a comodidade compensa o risco parece-me muito mais difícil do que a maioria julga ser. Por exemplo, eu sei que o correio electrónico que tenho no meu PC só pode ser lido por agentes do estado com a autorização de um juiz. A polícia não pode vir aqui bisbilhotar só porque quer. Mas não faço ideia que protecção legal teriam as mensagens que eu guardasse nos servidores do Gmail, nem sei que direitos eu tenho, se é que tenho alguns, nessa jurisdição. E suspeito que a maioria das pessoas que usa esse serviço nem sequer pensou no problema.

E a informação na nuvem pode durar mais do que queremos. Há muitos blogs onde pais babados mostram fotos e relatam cada passo, doença, gracinha ou infortúnio dos seus rebentos. Como pai, compreendo a obsessão. Mas há que pensar que esse bebé sorridente vai ser um adolescente inseguro e, mais tarde, um adulto à procura de emprego, a exercer uma profissão, a pagar seguro de saúde e assim por diante. Alguém a quem talvez já não pareça boa ideia ter, ao alcance de todos, um relato tão detalhado da sua infância. E a facilidade com que se põe informação na nuvem esconde a grande dificuldade de a retirar de lá.

Não quero dar a impressão que sou contra a tecnologia. Pelo contrário. Viva a tecnologia. Mas a ‘net é uma ferramenta poderosa e qualquer ferramenta poderosa exige cuidados. Como um berbequim. Dá imenso jeito quando sabemos o que fazemos mas não é uma coisa boa para se ir aprendendo com os erros.


Dois bons artigos sobre cloud computing:

Jonathan Zittrain no New York Times, Lost in the Cloud

E Bruce Schneier, no seu blog, Cloud Computing

1- The Register, Amazon vanishes 1984 from citizen Kindles. Obrigado ao Francisco Burnay pela notícia.

2- The Washington Post, Paris Hilton Hack Started With Old-Fashioned Con

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