Uma patente é um monopólio sobre a utilização de uma inovação, concedido em troca da publicação detalhada daquilo que se inventou. O nome vem da mesma raiz do adjectivo, “patente”, que qualifica algo visível a todos, porque é precisamente esse o seu propósito. A concessão de patentes visa incentivar a divulgação das invenções cobertas.
Um exemplo histórico é a “Carta de Patente” concedida por Henrique VI a João de Utynam, em 1449. O rei britânico concedeu ao artífice, por um período de vinte anos, o direito exclusivo de usar a técnica de fabrico de vidro colorido que este trouxera da Flandres. Em troca, o vidreiro teria de ensinar a técnica aos artesãos locais. Teria de tornar patente, aberto a todos, aquilo que de outra forma ficaria em segredo. Esse foi o propósito original das patentes e é ainda o mais importante.
Outro efeito do sistema de patentes é incentivar o investimento em inovações que sejam muito dispendiosas de desenvolver. Mas este incentivo é relevante apenas em áreas muito restritas. Como na indústria farmacêutica, por exemplo, onde se exige testes clínicos dispendiosos antes de autorizar a venda de um fármaco, sendo preciso compensar esse investimento privado cedendo algo em troca. Mas à parte de casos extremos como este, a vantagem de inovar é incentivo suficiente para investir em investigação e desenvolvimento e não é necessário conceder monopólios.
Além disso, conceder um monopólio incentiva essa inovação à custa de impor restrições a outras inovações possíveis. E quanto mais patentes se concede maior é esse desincentivo. Por isso a concessão de patentes devia ser muito limitada excepto se necessária para que o invento seja revelado. Quando o segredo é a alma do negócio é que vale a pena comprar a alma do negociante pagando a patente.
Na prática foi assim durante muito tempo. Tradicionalmente, as patentes cobriram processos de fabrico ou transformação de bens materiais que seriam fáceis de manter secretos e cujo âmbito era restrito e bem definido. A patente cobria aquele produtos químico, o fabrico daquela máquina e assim por diante. Leis naturais, descobertas e conceitos abstractos estavam fora do sistema não só pela sua amplitude mas também por não ser preciso comprar o segredo a ninguém. Mas isto mudou radicalmente nos últimos anos com as patentes sobre software (1), tão prejudiciais quanto absurdas.
A patente só cumpre o seu propósito se houver uma diferença clara entre a invenção e a descrição da invenção. Henrique VI concedeu um monopólio sobre o fabrico do vidro e, em troca, recebeu uma descrição detalhada de como o vidro se fabrica. Mas um programa informático é a descrição formal de funções algébricas, escrita numa linguagem que o computador pode interpretar. Por isso uma patente de software concede um monopólio sobre a mesma descrição que a patente devia tornar acessível. É um negócio absurdo. Não só por ser desnecessário pagar a quem vende software para que divulgue os algoritmos, pois estes estão descritos em detalhe em cada ficheiro vendido, como porque se paga essa descrição cedendo todos os direitos sobre ela. É como dar dinheiro ao padeiro, deixar lá o pão e ainda prometer não comer pão durante vinte anos.
O problema fundamental de aplicar estes mecanismos à informática, tanto patentes como copyright, é que todo o conteúdo digital é álgebra. São números e operações sobre esses números num formalismo em que dados e processos não se distinguem (2). Uma função algébrica é redutível a um número, um número é redutível a uma função algébrica, e a correspondência entre ambos é arbitrária. Por isso é impossível fixar que número corresponde a que processo ou à descrição de que obra, quais os números que são dados e quais são algoritmos e que números hão de pertencer a que inventor ou empresa.
E há duas razões para verem nisto mais do que a divagação ociosa de um blogger à procura de tema. Estas leis e decisões judiciais impõem restrições às contas que é legal fazermos com os nossos computadores, aos números que neles guardamos e à informação que trocamos entre nós. Não são leis só para quem tem fábricas ou empresas. São leis que nos afectam a todos. E, pior ainda, esta situação tem sido criada, e continua a ser agravada, à margem da democracia. É tudo decidido por lobbies, dos clubes de vídeo à Microsfot, e por advogados cujos honorários dependem muito mais dos litígios que da inovação tecnológica. Convém lembrar-lhes que a álgebra é de todos.
1- Não só pela sua natureza como pelo número. Se tiverem uns minutos, este documentário vale bem a pena.
2- Por estranho que pareça, matematicamente números inteiros ou operações sobre números inteiros são o mesmo. Sobre isto, recomendo este artigo no GrokLaw. É extenso e algo técnico mas excelente para perceber o que é a informática e porque isso importa para estas coisas.