No início do ano passado, o PS tentou fazer aprovar o agora infame Projecto de Lei 188/XII. A intenção era taxar todo o armazenamento informático em favor de sociedades de cobrança como a AGECOP e a SPA, mas o absurdo da ideia suscitou protestos e o PS acabou por retirar a proposta. Agora o PSD, tendo aprendido com o erro do PS, está a fazer a coisa de forma diferente. A proposta, ao que parece, é a mesma, mas desta vez é confidencial para evitar discussões (1). Já escrevi vários posts com as minhas objecções a esta medida (2), mas agora queria focar uma reacção que tenho visto à notícia da ressurreição do PL118. Muita gente acha que é mais uma medida para o Estado nos sacar dinheiro. Enganam-se. É bem pior do que isso.
O dinheiro que nos cobram nos impostos vai para o Orçamento do Estado, discutido anualmente na Assembleia da República. Se bem que o processo seja imperfeito na prática, em princípio será a melhor forma de investir o erário de acordo com as prioridades da sociedade, por intermédio dos representantes dos eleitores. Saúde, educação, pensões, segurança, justiça e, também, cultura. As taxas contornam este processo, sendo reservadas logo à partida para financiar serviços específicos como manutenção de estradas, radiodifusão, serviços de saúde e assim por diante. À parte de casos em que o papel da taxa é desencorajar abusos ou certos comportamentos prejudiciais, esta forma de financiamento público pode ser polémica. Por exemplo, no caso da taxa de radiodifusão, mesmo quem concorda com a necessidade de um serviço público de rádio e televisão pode discordar que esse serviço seja financiado por uma cobrança que não é progressiva como os impostos. Mas o que parece ser consensual é que nenhuma taxa deve servir interesses particulares. Se a RTP for privatizada, por exemplo, é consensual que se deve acabar com a taxa de radiodifusão.
A taxa pela cópia privada é uma aberração destas, uma colecta compulsória pelo Estado em benefício de entidades privadas como sociedades de cobrança, editoras, distribuidores e alguns artistas mais famosos. Nem no tempo da licença para usar isqueiro, tanto quanto sei, se chegava a este ponto. Era uma medida proteccionista para beneficiar os fabricantes de fósforos mas, ao menos, o dinheiro ia para o Estado e não directamente para o bolso de particulares.
Esta taxa é absurda por várias razões. Cada vez mais as obras comercializadas incluem restrições tecnológicas e esquemas de licenciamento que estipulam que cópias podemos legalmente fazer, pelo que a cópia não autorizada que seja claramente legal é cada vez mais rara. Se compramos software temos autorização para o instalar no disco. Se compramos música online ou livros electrónicos temos autorização para fazer um certo número de cópias. Esta taxa quer cobrar novamente pelo direito de cópia que o distribuidor já nos cobrou. Além disso, é cada vez maior a fracção de obras, no sentido legal, a que acedemos e que copiamos gratuitamente com autorização dos autores. À luz da lei, cada SMS, email, post, fotografia ou comentário é uma obra de autoria e merece a mesma protecção que um romance ou canção. Para ler um blog, aceder ao Facebook ou guardar fotos das férias precisamos de alguma forma de armazenamento, e esta taxa cobra-nos por um direito que já temos enquanto autores ou que os autores nos concedem gratuitamente. Dizem que é para compensar o prejuízo que a cópia privada causa aos autores, mas a taxa em si é o maior prejuízo para a maioria dos autores, que somos todos nós.
Pior de tudo, esta taxa é um exemplo extremo da mama que tem afundado a nossa economia. Já nem disfarçam com PPPs ou BPNs. O que pedem agora é simplesmente que o Estado faça a cobrança e lhes entregue o dinheiro. Penso que já chega de andarem a viver acima das minhas possibilidades.
1- Computerworld, Cópia privada confidencial
2 – Por exemplo, Projecto de Lei 118/XII do Partido Socialista


