Sim, mas não por isso.

O Pedro Prola defendeu a proposta de taxar suportes digitais em favor de sociedades de cobrança por ser «um pequeno sacrifício que pode restaurar alguma paz no debate pelos direitos de autor»(1). A Paula Simões discordou porque esta taxa cobra o direito legal de fazer cópias não autorizadas mas, como a lei também proíbe a cópia de ficheiros com restrições digitais, na prática estamos a pagar por direito nenhum. Fazendo um apanhado de exemplos históricos em que novas formas de exploração comercial foram permitidas em troca da cobrança de taxas em favor dos detentores dos monopólios, a Paula argumenta que «O problema da nova #pl118 é que estamos a discutir uma compensação para os cidadãos poderem fazer menos do que já podem fazer» (2). Por exemplo, quando a pianola surgiu a distribuição comercial de música dependia do monopólio sobre a cópia das pautas. Como a pianola é um piano mecânico capaz de tocar música representada em rolos de papel perfurado e os monopólios das pautas não abrangiam esses rolos, os detentores desses monopólios protestaram e foram compensados pela cobrança de taxas fixas à venda de rolos de pianola. Soluções semelhantes foram encontradas para as cover songs e a rádio. Normalmente, quando surgiram novos negócios de distribuição de conteúdos optou-se por compensar a redução no monopólio com a cobrança de algum valor sobre esses negócios em troca de não os proibir.

Apesar de discordar do Pedro, discordo também do argumento da Paula. É verdade que há uma contradição legal entre a protecção do DRM e a taxa pela cópia privada mas esse não é um problema da taxa em si. Pode ser resolvido do lado do DRM, por exemplo. Ao focar essa questão da taxa como compensação a Paula ignora uma diferença fundamental entre aquilo que se compensa nos exemplos que focou e o que se quer compensar nesta taxa.

Se eu quiser vender discos onde canto músicas do Tony Carreira tenho de pagar uma taxa ao Tony Carreira. Ou, mais precisamente, ao omitido autor do original (3). Pago por cada música e por cada cópia que venda. A justificação legal é compensar o detentor do monopólio sobre o original por este não poder proibir que outros façam negócio com a sua obra ou obra derivada. A taxa pela cópia privada, que surgiu quando o lobby da industria discográfica convenceu os políticos de que as cassetes áudio iriam matar a música (4), é fundamentalmente diferente. Em primeiro lugar, não taxa a reprodução de obras específicas, como acontece da pianola às cover songs. Taxa algo que pode ser usado para reproduzir uma obra qualquer, mesmo sem se saber qual nem se vai ser usado para esse fim. Neste aspecto, o análogo de taxar um CD ou uma cassete não é o cobrar pelo rolo da pianola mas sim pela venda de pianos ou pincéis por poderem servir para a eventual reprodução não autorizada de alguma obra “protegida”.

Mais importante ainda é a diferença naquilo que se compensa. Nos exemplos que a Paula foca, o detentor de um monopólio comercial recebe compensação porque outro está a comercializar aquelas obras. É assim formalmente e na prática também. Se eu vender um disco onde canto músicas do Tony Carreira tenho de pagar ao Tony Carreira mas, como estou a competir com os discos do Tony, não posso subir o preço e passar esse custo ao cliente final. Eu pago para fazer negócio com as músicas do Tony. Em contraste, se taxam todos os discos rígidos ou todos os CD nem é o fabricante ou revendedor que pagam nem a taxa irá compensar lucros pela venda de alguma obra concreta. É quem compra esse suporte que paga para compensar uma venda alegadamente perdida, perda essa que, mesmo que seja verdadeira, não merece qualquer compensação por si. Por exemplo, se convenço quem ia comprar discos do Tony Carreira a comprar outra coisa faço o Tony perder vendas mas não se justifica cobrarem-me por isso. Não comprar é um direito e o Tony não tem nada que se intrometer na vida dos clientes.

O problema fundamental da taxa sobre a cópia privada é exigir do potencial comprador uma compensação porque, por razões pessoais, decide não comprar o que o vendedor lhe queria vender. Isto é absurdo, injusto, e completamente diferente dos exemplos que a Paula deu. Ninguém tem obrigação de comprar discos e ninguém tem o direito a compensação por essas “vendas perdidas”. Por isso, mesmo que legalizar a cópia privada trouxesse benefícios a muita gente e mesmo que afectasse o negócio dos detentores destes monopólios, não se justificava taxa alguma porque essa lei não faria mais do que respeitar a liberdade e a privacidade das pessoas, valores muito superiores ao de qualquer modelo de negócio.

Infelizmente, o lobby norte americano da industria discográfica tem tido tanta influência nas últimas décadas que não só impôs isto nos EUA como espalhou por muitos países, à força de tratados internacionais, esta lei de taxar por não comprar. Por isso, em Portugal não podemos rejeitar esta ideia de compensar o “autor” pelo direito à cópia privada. Mas pode-se aproveitar a letra da lei para rejeitar a taxa sobre suportes digitais. Na prática, o dinheiro que a lei diz ir para o “autor” vai para os bolsos dos distribuidores e de quem trabalha nas sociedades de cobrança. Mas, à letra, a lei diz proteger os autores. Todos os autores. Assim, o argumento que me parece mais promissor assenta na desproporção entre a fracção dos 20,000 associados da SPA que beneficiaria desta taxa e os milhões de autores portugueses que pagariam a taxa por usar suportes digitais para criar e guardar as suas obras, sejam fotografias, posts, emails, aulas, artigos de investigação ou vídeos das férias. Obras que, à luz da lei, merecem tanta protecção quanto merecem as músicas que o Tony Carreira, eventualmente, tenha mesmo criado.

1- Pedro Prola, Taxar os Ipods?

2- Paula Simões, Resposta ao @pedroprola sobre a nova #pl118

3- O Tony ilustra bem a “indústria cultural” que se alimenta deste monopólios e taxas: Tony Carreira – Plágio ou Calúnia?

4- Wikipedia, Home taping is killing music.

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