Cidadão electrónico.

Já tenho o meu Cartão de Cidadão (CC). Cheguei às 8:20, dez minutos antes da abertura, para me despachar. E fiz bem. Às 8:35, quando entrei para tirar a senha, estavam cinquenta pessoas em fila atrás de mim. Infelizmente, quando lá cheguei já estavam 150 à minha frente. Mas em pouco mais de duas horas fui atendido.

Bom dia, sentei-me, entreguei a senha e a parte da carta com o número do processo. A senhora levantou-se para ir buscar o cartão e eu pus na mesa os vários cartões que teria de entregar para invalidar e o papelinho com os códigos virados para baixo, tudo junto a mim. A senhora entregou-me o CC, pediu-me que conferisse os dados e, enquanto eu comparava o número no CC com o do BI, ela veio pescar a folha dos códigos e começou a escrever coisas no computador. Em vez de protestar decidi ver o que ela fazia. Pôs o cartão no leitor e pediu para eu pôr o indicador no quadradinho enquanto, com os meus códigos à sua frente, escrevia no computador. O monitor estava virado para ela e eu não vi o que ela fez. Perguntou se eu queria activar a assinatura digital. Disse que não, obrigado, fazia isso mais tarde. Furou os outros cartões, devolveu-me tudo e bom dia, fui-me embora.

Ser a funcionária a introduzir os meus códigos foi certamente uma violação do procedimento. Se fizer queixa é provável que a repreendam. Mas não o fez por mal, não tenho receio que tivesse o Notepad aberto para copiar os meus códigos, e com o número de pessoas que tem de atender não é prático que cada uma digite o seu código. Episódios como este, ou como pedirem à Paula para ditar o código em voz alta (1), não são o problema. São meros sintomas de uma falha fundamental muito mais preocupante.

O elemento de segurança principal do antigo BI é a presença de quem se identifica com ele. Isto cria um risco a quem se tentar passar por outrem, o que exige uma falsificação muito boa. Porque mesmo que a probabilidade de ser apanhado seja pequena, se o criminoso tem de estar lá presente quando isso acontece, deixa de compensar. Os arabescos no cartão aumentam a probabilidade de detecção, que aumenta o risco de ser apanhado e, por isso, reduz a incidência deste crime.

Mas se aquilo que se faz passar por mim é um programa num servidor ucraniano, alugado com um cartão de crédito roubado, o risco para o criminoso é nulo. Pouco lhe importa se detectam a falcatrua e vale a pena tentar mesmo com pouca probabilidade de sucesso. O Rui Meleiros mencionou «Criar uma empresa online na Estónia» como exemplo “divertido” do que se pode fazer com o CC (2). A mim não me diverte a possibilidade de o fazerem em meu nome e eu só saber quando for preso.

Como a segurança do BI assentava na presença de quem se identificava nunca nos preocupámos com a informação no cartão. Mostrávamos o BI a quem o pedisse, dávamos fotocópias e o número não era segredo nenhum. Por isso pouca gente achará estranho que a funcionária da Loja do Cidadão peça os códigos e os digite. É o costume. Mas a autenticação remota exige mais cuidado e tem de ser muito mais segura. E, além do cartão em si, depende também do segredo dos códigos e de onde usamos o cartão.

Com o Multibanco já nos habituámos. Nunca lembraria àquela senhora pedir-me este cartão e o PIN, ou os códigos que uso para aceder à conta a partir de casa. E ninguém lhe daria tal coisa. Mas quem nos fornece um cartão Multibanco ou credenciais para home banking deixa claro que os códigos são para manter secretos, e nós sabemos que quem usar esse cartão pode tirar-nos dinheiro. É o contrário do que fazemos quando usamos o BI, que é para mostrar e dar número e fotocópias a quem pedir.

Além dos problemas de agregar informação pessoal de milhões de pessoas em bases de dados que podem ser cruzadas, o erro fundamental do CC é misturar duas formas de autenticação muito diferentes. Identificarmo-nos a outra pessoa, presencialmente e mostrando o documento de identificação. E a autenticação remota, perante uma máquina e por meio de códigos secretos e encriptação. Se nem os funcionários conseguem distingui-las não é de esperar grande segurança neste sistema, porque cada vez que alguém se enganar, ou for enganado, vai facilitar a falsificação da sua identidade*.

O chip, os PIN e os dados biométricos melhorariam a segurança do CC se este fosse usado apenas como o BI, para identificar quem se apresenta com o cartão. Esta devia ser a versão atribuída a todos os cidadãos. A identificação remota devia ser independente e opcional, porque requer um cuidado diferente daquele que se associa a um documento de identificação. E nunca devia ser exigido ao utente que levasse os códigos para onde quer que fosse. Não é por razões tecnológicas. Com certeza que, no papel, o sistema do CC parece seguro. É pelos hábitos de uso e pelos problemas práticos de implementação em larga escala, que dão esta confusão e põem em causa a segurança do sistema.

*Editado: tinha “furto de identidade”, mas este problema é de fraude, não de furto, se bem que a falsificação de identidade possa facilitar o furto.

1- Paula Simões, 15-1-09, Cartão do Cidadão ou porque é que eu não confio no sistema

2- Comentário em !@#&$! para o cartão de cidadão.

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